Filmado nas ruas de Goiânia durante o desfile de Carnaval do Bloco Não É Não em 2020, com forte presença do Coró Mulher (Associação Coró de Pau), este video-clipe produzido por A Casa de Vidro (www.acasadevidro.com) traz a público a composição original “Não é Não é Não”, de Diego Mascate e Léo Pereira (Terrorista da Palavra). A música, gravada no estúdio goianiense Bern Studio Live, é interpretada pelo Bloco da Desconstrução Coletiva composto por Milla Tuli (voz e violão), Leonardo Vassoura Lanne (bateria), Rodolpho Gomes (baixo), Regis Caetano (flauta) e Diego Mascate (voz e violão), além do produtor musical Bernardo Silva e do produtor cultural e audiovisual Eduardo Carli de Moraes. A obra foi lançada oficialmente durante a nossa Live do 8M de 2021 – saiba mais: www.acasadevidro.com/8m2021. Também disponível no Facebook: https://fb.watch/47hrxB4dF4/.
CENA CERRADO – Nosso “não” coletivo é, sim, inevitavelmente regado à ódio e repulsa, repleto de cansaço diante das estruturas sociais e políticas que vivemos. A repetição da negativa é, ainda, o rascunho do real: temos posicionado nosso “não” em muitas pautas necessárias e em tantas diversas vozes quanto se é possível projetar. O eco está vivo e presente. Do nosso petróleo à Amazônia à buceta, o recado é simples: não ponham a mão.
A música, composta por Diego Mascate e Léo Pereira, foi gravada no estúdio Bern Studio Live, em Goiânia. No palco da gravação: Milla Tuli na voz e violão, Leonardo Vassoura Lane no baixo, Regis Caetano na flauta e Diego Mascate na voz e violão. A faixa também conta com a produção musical de Bernardo da Silva, além da participação do trabalho do produtor cultural Eduardo Carli de Moraes.
Texto por Anna F. Monteiro
Não é Não é Não (Julietas e Marietas)
(Composição: Diego Mascate e Léo Pereira [Terrorista da Palavra])
Todo bozonazi amarela
quando as mina toma a decisão
Ó seu machista
Robolsonista
As mina vai passar na contramão
Não é não é não
Não põe a mão
Não põe a mão
Não põe a mão na Julieta não é não
Não é não é não
Não põe a mão
Não põe a mão
Não põe a mão na Mariele – não é não
E a Marieta manda um beijo na Cecilia
A besta Paulo Guedes só dá trela
E o Brasil perdeu a condução
Ó seu racista
Bolso rentista
Verme entreguista
Robô Trumpista
As mina vai tomar a decisão
Não é não é não
Não põe a mão
Não põe a mão
Não põe a mão no meu petróleo – não é não
Não é não é não
Não põe a mão
Não põe a mão
Não põe a mão na Amazônia não é não
O bofe Sérgio Moro é tramela
E o Brasil voltou pro camburão
Ó seu fascista
Robô nazista
Colonialista
Robô Trumpista
Ei, seu trompetista
Não é não é não
As mina
Os boy
As sapa
As ninfa vai mostrar a condição
Não é não é não
Não põe a mão
Não põe a mão
Não põe a mão no meu caralho – não é não
Não é não é não
Não põe a mão
Não põe a mão
Não põe a mão na minha buceta – não é não
Eu digo sim
à liberdade de existir
Sorrir, ser bi, ser travesti
Sem medo e sem se reprimir
Eu digo sim a esse nosso carnaval
Um cinema transcendental
Bem vindo até Bacurau
E não põe corda no meu bloco
Não é não é não
Não põe a mão
Não põe a mão
Não põe a mão na minha gaveta – não é não
Não é não é não…
Não põe a mão
Não põe a mão
Não põe a mão no meu relógio – não é não
Sim!
Jornal Metamorfose, por Marcus Vinícius Beck
Clipe da música “Não é Não” (assista: https://youtu.be/6w0iShrY7EM) chega ao público após live do 8M d’ A Casa de Vidro realizada em homenagem ao Dia Internacional da Mulher (confira em: www.acasadevidro.com/9m2021). Anárquica, canção faz críticas a turbulência política e pede respeito à mulher.
Não há registro de nada parecido no carnaval de rua goianiense com a iniciativa criada pelo bloco “Não É Não”, em 2020. Educativo, afetuoso e engajado, o folião espalhou mensagens conscientes que abordaram temas que afrontam a cartilha conservadora e a moral puritana do cristianismo: milhares de pessoas prestigiaram a vibração do batuque dos tambores, dançaram ao som da marcinha e angariaram consciência política a partir da campanha educativa contra o abuso e violência sexual promovida pela agremiação no calor da folia.
Cá para nós, o coro carnavalesco não se esvaiu na Quarta-Feira de Cinzas. Em uma sociedade cujos valores foram fundados sob a lógica do patriarcado, com uma pesada escravidão negra e que só aceita um modelo tradicional de família, a inversão de valores cumpre uma função que extrapola o aspecto protocolar e garante um propósito pedagógico, com muito samba e muita dança: o carnaval expressa a ética da igualdade, de uma nova canção na qual é cantada a alegria, como atestou o cantor Dorival Caymmi.
Com tiradas políticas como “não ponha a mão na Marielle, não é não” e cômicas do tipo “a besta Paulo Guedes só dá trela”, o videoclipe da música “Não É Não”, do Bloco da Desconstrução Coletiva, foi lançado na última segunda-feira (8) numa live especial em homenagem ao Dia Internacional das Mulheres. A composição, parceira de Diego Mascate e Léo Pereira, do Terrorista da Palavra, aponta problemas do Brasil que se tornaram comuns desde o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT).
“É função do artista se manifestar filosoficamente. Eu faço arte para dizer. E faço também para o meu aprendizado. Se faço para o meu aprendizado, faço também para o aprendizado do outro”, disse Pereira, que é escritor, dramaturgo e comunicador social. A música, continua ele, tenta fazer uma radiografia cômica do país, mas ao mesmo tempo anárquica e lúdica. “Desse estado de golpe que a gente vive no Brasil desde o advento do governo Temer e agora com o governo Bolsonaro.”
Na canção, chama atenção a entonação vocal utilizada por Milla Tulli e Mascate no momento do “não é não”, o clímax da música. A ideia da música nasceu de Léo, que convidou Diego Mascate para a parceria. Então eles compuseram “Não É Não”. Em seguida, surgiu o convite para participar do concurso de marchinhas, promovido pela A Casa de Vidro Ponto de Cultura. Depois, ela foi reproduzida no bloco carnavalesco.
“Foi um movimento que, inicialmente, surgiu da minha parceira com Léo, mas depois tomou um corpo coletivo, envolvendo os músicos, envolvendo toda essa força coletiva, que é bem o carnaval: carnaval é essa festa do povo, essa festa popular, uma realização sempre em conjunto, em clima de festa”, relatou Mascate na live. “A gente vê claramente, hoje, que o crime está no poder. Eles não querem de forma alguma nem mesmo respeitar a Constituição de 88, rasgando uma série de direitos estabelecidos, inclusive o direito à cultura.”
Para Cida Alves, do bloco Não É Não, o bonito é que a música não ficou restrita apenas ao concurso de marchinhas carnavalescas. Para ela, um corpo para ser dominado precisa ser um corpo entristecido em sua potência, em sua capacidade de dizer a que veio e em sua capacidade de expressar seus amores e seus desejos, com sua liberdade sexual silenciada pela moral vigente. “Então o Bloco Não É Não traz também esse discurso de que, na nossa luta contra a denominação, a alegria é a energia potente.”
Clipe
As imagens do clipe foram captadas pelo cineasta Eduardo Carli e contam com cenas do Bloco Não É Não pelas ruas de Goiânia, em uma montagem (também assinada por ele) que casa a letra da canção com a mensagem emancipatória disseminada pelo folião pelas ruas de Goiânia, em 2020. Um dos momentos mais interessantes do filme é quando a letra aborda o racismo e, na sequência, numa sobreposição dialética, há pessoas negras comandando a folia: afinal, a liberdade dos povos é necessária para que de fato consigamos evoluir enquanto sociedade.
Se historicamente as marchinhas narram temas do cotidiano, então é preciso resistir à violência cotidiana que atinge as mulheres: a cada oito minutos uma mulher é estuprada. É um dado alarmante que, em meio à torrente de grosseira que faz do Brasil um palco de vexames, a composição de Léo Pereira e Diego de Moraes honra a memória de Chiquinha Gonzaga (a primeira a compor uma marcha carnavalesca e, não por acaso, vítima da falácia da democracia racial que atinge a História) e Tia Ciata, duas das personalidades mais marcantes da cultura popular brasileira.
Chiquinha e Ciata fizeram absolutamente o contrário do que é esperado que uma mulher faça no seio da sociedade patriarcal: a primeira criou a clássica marcinha “Abre-alas” enquanto a segunda é reconhecida como a matriarca do samba e símbolo da resistência negra no Brasil pós-abolicionista. Pela história e por tudo o que ela representa, tanto o clipe quanto a música “Não É Não” chegam em um bom momento. Mais do que ser anti machista, é preciso fazer ruir as estruturas do patriarcado.
Publicado em: 17/03/21
De autoria: Eduardo Carli de Moraes
A Casa de Vidro Ponto de Cultura e Centro de Mídia